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Caso marcante de interassistência



O texto começa com algumas informações que não são do seu interesse, mas sugiro que tenha paciência e não pule, pois depois fará mais sentido.
 

Enquanto estava em um emprego temporário, fui até um bairro distante chamado Jardim Noroeste na cidade de Campo Grande, capital onde nasci. Depois de andar muito pelo local, já no entardecer, parei na esquina de uma rua asfaltada e tive uma forte e incontida emoção eufórica. Era como se estivesse em um local onde conhecesse as pessoas e fui manifestando uma alegria natural juntamente com os outros sentimentos positivos. Estava feliz sem entender o motivo.

Pouco depois viria saber que era um dos bairros mais pobres e carentes da cidade. Em vista do tamanho era o maior de todos, mas a carência financeira e até a miséria era muito presente. Citei acima a “rua asfaltada” pois era a única do bairro que possibilitava que as viaturas pudessem chegar até a penitenciária. Isso mesmo... no bairro existe uma penitenciária de segurança máxima e ainda existe um lixão perto. Ouvi dizer que parte do bairro se formou por causa das famílias dos presidiários.

Quando meu emprego temporário terminou, pouco tempo depois, recebi o telefonema de um amigo que disse estar saindo das suas escolas para assumir um cargo de vice-diretor. Perguntou se eu não gostaria de assumir suas aulas de xadrez. Para quem tinha acabado de ficar desempregado a oferta veio em boa hora e é claro que aceitei. Pois bem, ele dava aula em duas escolas do Jardim Noroeste. Basicamente dois meses depois de ter estado por lá, voltei como professor e passaria todos os dias por aquela “rua asfaltada”.

O bairro é tão grande que comporta duas escolas municipais (essas escolas possuem alunos do 1º ao 9º ano do ensino fundamental) e as duas bem grandes. Tive a oportunidade de conhecer várias pessoas e ter um choque de realidade por todo aquele contexto. Como era na metade do ano, fiquei nas escolas por cerca de seis meses até o contrato acabar. No ano seguinte o projeto de atividades do xadrez terminou e arrumei emprego em uma escola particular (que pagava menos de um terço do que ganhava).

Quase no final de março, devido a uma série de problemáticas da prefeitura na época, não tinham sido chamados os professores por contrato. Entretanto, me ligaram e acabei sendo chamado pelas escolas para dar aula em sala. Fiquei muito feliz, pois consegui lecionar novamente em ambas (agora com muito mais alunos) e assim deixei o colégio particular. Fiquei atendendo as duas escolas no total por dois anos e tirei enormes lições existenciais por mergulhar naquele contexto. Se não me falha a memória, um dos diretores disse que aproximadamente 40% dos alunos tinham algum familiar no presídio.

Como basicamente não tinha asfalto, era terra vermelha por todos os lados e com todo tipo de problemas. Por ser afastado, o bairro ficava próximo de muito matagal e nem precisa dizer que uma facção criminosa comandava o tráfico de drogas na região (do presídio). Tive alguns alunos que, ao que tudo indica, traficavam para suas famílias. Fiquei sabendo de casos de meninas pré-adolescentes estupradas com participação da família e prostituição de menores (todos os casos receberam auxílios). Conheci crianças muito maltratadas dentro das próprias casas.

Uma vez vi duas alunas rindo muito alto e fui perguntar do que se tratava. Fiquei espantado quando soube que estava contando que seu pai tinha sido preso porque matou um rival e jogou futebol com a cabeça dele na rua. Por isso, acabou indo para a prisão. Histórias de violência e sentimento de inferioridade transbordavam nas salas. Poucos ousavam em falar em um futuro com curso superior e pareciam conformados com uma vida sem perspectivas.

Sem falar nas situações que explicitavam a miséria. Uma vez, durante um lanche da tarde, um aluno do primeiro ano (de cerca de 6 anos) me disse contente que tinha almoçado arroz com banana. Quem fica feliz por almoçar arroz com banana? Imagine então nos outros dias... Ouvir isso foi como levar um soco no peito. Ou então pense num garoto triste porque seu cachorro morreu e eu, ainda no “paradigma antigo”, pergunto como aconteceu e me responde que não tinham comida para dar para ele. Perder um cachorro atropelado é aceitável, mas e isso? Ver seu animal morrer de fome...

Em outra oportunidade, também à tarde, um garoto “gordinho” não parava de perguntar se não estava na hora do lanche. Rapidamente julguei que era um comilão até que, depois de um tempo, resolvi perguntar o que ele havia almoçado e ele não falou nada, apenas balançou a cabeça negativamente. Perguntei o que ele tinha comido naquele dia e mais uma vez fez sinal de negativo com a cabeça. Eram quase três horas da tarde e não tinha comido nada...

Aliás, a refeição servida na escola era única certa que muitos teriam. Ninguém recriminava alguém por comer muito. Pelo contrário, o aluno podia se servir quantas vezes quisesse e, se sobrasse algo na cozinha, podiam levar para casa. Alguns até pegavam de propósito um pouco mais de lanche e guardavam na mochila para dividir depois com familiares. Vi crianças com dificuldade de aprendizado provavelmente por serem desnutridas desde muito pequenas. Como raciocinar com o estômago roncando?

O que dizer das moradias? Tinha casas feitas com madeira improvisada e lona preta. Ouvi histórias de famílias grandes que dormiam todos no mesmo cômodo. Boas casas com portões eram a minoria. Por ser um bairro muito extenso, muitos terrenos (inclusive quadras inteiras) estavam sem nenhuma construção, o que parecia aumentar, no meu ponto de vista, aquela sensação de abandono.

Apesar dessa descrição, apenas para contextualizá-lo, vale frisar que havia muita alegria “no ar”. Era, inegavelmente, um lugar com muita vida e amparo. Provavelmente foi o período profissional mais gratificante que já tive nessa vida. Era ótimo poder fazer elogios e levantar seus ânimos, esclarecer dentro das possibilidades que eles aceitavam, jogar muita energia para todos eles, perceber na tenepes muitas consciências desse povo e assim por diante. Tudo foi muito, de fato, gratificante.

Dentro das minhas possibilidades, consegui aproveitar essa “enfermaria” como um fabuloso “laboratório” de experiências assistenciais, mesmo com meu nível básico de parapsiquismo. Tive algumas experiências projetivas assistenciais, que foram poucas mais inesquecíveis, e constatei que de fato ninguém está esquecido e abandonado pela multidimensionalidade. A razão de todas elas estarem ali eu desconheço, mas, como diz a frase, “o infortúnio não erra o endereço”.

Não pretendo florear a realidade como se tudo fosse maravilhoso, pois também tive vários descontentamentos. Nesse período muitos alunos me irritaram, fiquei chateado com várias coisas, algumas situações me entristeceram e assim por diante. Apesar de tudo valeu a pena. Outro ponto relevante foi conhecer pessoas “simples” mais muito dignas e corretas que não tinham dinheiro no bolso, mas as quais tenho certeza que são muito valiosas perante a extrafisicalidade. Isso sem falar de alunos provavelmente intermissivistas.

Muitas vezes durante o caminho de ida e volta do trabalho me questionava que local era mais feliz. Digo isso porque o bairro onde morava de aluguel era bom, com casas pequenas como a minha, mas composto em sua maioria por residências de alto padrão. Nesse bairro não havia ninguém nas ruas e todos viviam dentro dos seus muros. Ao chegar ao Jardim Noroeste as pessoas conversavam nas ruas, as crianças corriam por todos os lugares e o ambiente era muito vivo, como já disse anteriormente. Até hoje, sinceramente falando, não sei qual tipo de bairro é mais feliz.

Durante essas vivências tive uma boa sincronicidade: conversando com uma das minhas irmãs descobri que ela fazia trabalho voluntário com sua igreja também no bairro. Ela atendia algumas famílias muito necessitadas. Estávamos, sem saber, também conectados por aquele lugar e aquelas pessoas.

Na classificação das escolas, chamado IDEB, as duas escolas do Jardim Noroeste estavam na época entre as piores (não sei precisar se da cidade ou do estado), com notas bem baixas. Quando mudei para Foz do Iguaçu fui trabalhar em duas que estavam entre as 10 melhores notas do país! Pense na diferença de ambientes. Claro que aqui em Foz não é perfeito e também tem suas dificuldades, mas nada que seja comparável com onde estava.

Eventualmente, apesar da mudança de endereço, ainda me sinto energeticamente chamado por esse local. Deixei naquelas escolas amigos de todas as idades e, obviamente, eles ainda precisam de muita ajuda e encaminhamento. Por vezes, antes de dormir, mentalizo esse ambiente vendo todo seu lado positivo e me predisponho a ajudar de acordo com a necessidade do momento e dentro do que posso fazer. Duvido que qualquer um que trabalhe naquele ambiente por um mês, quiçá uma semana, não saia de algum modo transformado.

Foram muitas sincronicidades com esse ambiente: desde a descoberta, o modo como comecei em aulas temporárias e o retorno com as turmas que não sei como consegui fora muitas outras. Não me sentia superior a ninguém, apenas como uma peça dentro de uma engrenagem maior. Por tudo isso, agradeço imensamente por esses dois anos e meio de aprendizados. Não posso transferir tudo que vivenciei, mas espero que este texto possa trazer alguma reflexão. Caso contrário, basta esquecer estas informações e seguir em frente.

 

O texto traz relatos pessoais apenas como didática.
O objetivo dessa auto-exposição mínima é
exemplificar conceitos e gerar questionamento.
Você valoriza vivências básicas como essa? 



Por Alexandre Pereira.







Caso de Blindagem Assistencial


Quando ainda residia em Campo Grande, suponho que tenha sido no ano de 2008, ocorreu uma situação bem inusitada e singular nessa existência que ainda permanece com mais perguntas do que respostas. Tudo foi muito relativamente rápido, inesperado e intenso.

Estava fazendo uma caminhada com o amigo Bruno Delgado, aproveitando para conversar perto de sua casa durante o entardecer. Enquanto andávamos veio em nossa direção uma mulher empurrando uma cadeira de rodas com uma jovem menina com grave deficiência física e, aparentemente, também mental.

Quando ela estava chegando mais perto, veio a seguinte frase em minha cabeça: “Jogue toda sua energia, o máximo que conseguir.” Assim que estavam bem próximas, nos poucos segundos que nos cruzamos na rua, fiz o que pude dentro das próprias limitações e exteriorizei o máximo de energia com discrição.

A mulher e a criança foram na direção contrária e continuamos andando normalmente até que pouco tempo depois passou por nós um carro em alta velocidade. O carro seguiu seu caminho até escutarmos uma freada brusca e um barulho de colisão. Nos olhamos e sabíamos que o carro tinha atropelado a mãe ou a garota na cadeira de rodas.

Voltamos correndo em direção deles. O motorista era um jovem que, por uma conjunção de fatores, pelo que pude entender, acabou durante a curva tendo sua visão ofuscada pelo excesso de mato na calçada e acabou atropelando a criança. A sensação era que o ocorrido foi uma fatalidade e tanto o rapaz quanto sua namorada, que também estava no carro, ficaram abalados. Pelo que soube essa curva ainda continua fazendo vítimas.

Ao chegar observei atônito a mãe passando a mão na menina procurando por um machucado ou ferimento, mas não havia nada (o Bruno viu que o dedão do pé dela estava com algum sangue). Não tinha nenhum osso quebrado ou problema maior. Olhei a cadeira de rodas e estava toda contorcida com a batida. Percebi que a criança nem sequer falava ou chorava.

Ao checar que sua filha estava bem, a mãe foi para cima do jovem motorista, visivelmente alterada, por tudo que tinha acontecido. Uma reação de mãe totalmente compreensível. O rapaz ficou acuado enquanto sua namorada tentava explicar o que tinha acontecido sob protestos e tentativas de acusação.

Eu me senti bem amparado, pois estava diferente do padrão habitual: consegui apartar com muita calma a situação e ajudar a resolver tudo rapidamente. Não tive nenhuma “gota de adrenalina” no sangue, estava muito tranqüilo. O motorista ficou se prontificando para ajudar e dizendo que pagava outra cadeira enquanto ela esbravejava querendo despejar suas emoções.

Sem maiores problemas colocamos a cadeira de rodas no porta-malas, o jovem repetindo que daria outra nova, com a mãe e a criança entrando no veículo para ir até um local de emergência checar se ela precisava mesmo de algum atendimento. Por fim, todos saíram no carro sem maiores problemas. Voltamos a caminhar, mas logo paramos para que meu amigo tomasse um fôlego e baixasse a adrenalina.

Cabem aqui algumas reflexões do episódio. Em primeiro lugar, não penso que a garota não se feriu apenas pelas energias que exteriorizei para ela. Inclusive, repudio qualquer indicativo nesse sentido. O ponto central é o amparo que a criança tinha e que, por algum motivo, precisava continuar viva. Teriam os amparadores usado alguma paratecnologia? Mesmo com intensa deficiência a garota possuía um corpo adaptado (macrossoma)?

Naturalmente que o pedido de exteriorização que captei teve sua função nesse processo. Teriam minhas energias contribuído com 10% de todo o contexto? Ou a exteriorização seria irrelevante e, na verdade, o episódio serviria para mim apenas como uma lição do valor e da importância assistencial que dispomos? A menina seria uma atratora de acidentes (accident proneness)? Ainda busco respostas para essas e outras questões.

Uma certeza que tive no ocorrido foi que tinham muitos assediadores querendo acabar com a vida dela. Disso nunca tive dúvidas. Outro ponto é justamente a incógnita de quem era a consciência naquele corpo deficiente e o quanto isso impactaria os presentes.

Explicando melhor: imagine que a consciência dessa garota tenha sido no passado, por exemplo, um chefe do tráfico de drogas que matou muita gente e criou muitos desafetos. Mesmo com um passado muito complicado, e até condenável, os amparadores estavam de prontidão para ajudar nesse processo influenciando diversas sincronicidades. Até que ponto a extrafisicalidade ajuda onde é preciso desprovido de paixões e idealismos primários? Se eu soubesse quem era ela teria me esforçado menos no que fiz?

Passei dias pensando no ocorrido. Mesmo uma exteriorização energética trivial pode ter contribuído, de algum modo e em certo nível, para salvar uma vida. Nesses momentos que questionamos o alcance de nossas ações e o quanto somos ignorantes quanto aos efeitos que geramos. O que suas projeções assistenciais podem ter evitado de ruim na sociedade? O quanto sua tenepes, escrita e atitudes estão desassediando para um bem maior?

Essas e muitas outras questões podem ser levantadas por todos que ainda banalizam suas práticas e o parapsiquismo em si. Quando digo banalizar é na utilização da vida prática ainda que “valorize” apenas no campo teórico. Agradeço profundamente aos amparadores pela oportunidade de tais vivências e uma série de reflexões importantes até os dias de hoje.


O texto traz relatos pessoais apenas como didática.
O objetivo dessa auto-exposição mínima é
exemplificar conceitos e gerar questionamento.
Você valoriza vivências básicas como essa?

Por Alexandre Pereira.